Não causará surpresa, a quem gaste tempo na observação das ilustrações de Alex Gozblau, este híbrido entre bricolage e colagem. O olhar e a mão postos ao serviço da perspectiva gore que nos vê como frankensteins portáteis. As suas figuras são o ponto de encontro de texturas, realidades e sombras, dos mais díspares e improváveis elementos que, numa lógica devedora da música de cabaré, se agregaram em seres orgânicos. Embora aqui e ali esboce cenários mínimos, esta série faz-se de personagens. São bonecos feridos, cortados e recordados, enxertados e transportados, mas cujas cicatrizes se tornam dobradiças. Apesar de parecerem em pose, estão em movimento no miolo de uma narrativa. Apanhamos estas personagens vindas de um acontecimento e a caminho de outra situação. Não surgem incomodadas, mas desafiantes. Mesmo na suprema indiferença algo nos dizem. Talvez fiquem doravante cristalizadas, elas mais os seus enigmas, na cera da nossa visão, mas estou em crer que basta virarmos costas para regressarem aos seus mundos desajustados e incertos regulados pelo soturno Saturno. Estão apenas parados em pause no seu pequeno teatro macabro (já tinha dito de cabaré?) invocando aspectos tenebrosos de um quotidiano que é, ainda que o não pareça, território comum. Não hesito ao revelar que Alex Gozblau recolhe estes fragmentos dos vários espelhos onde nos vemos, todos e cada um, no acordar nosso de cada dia. Assusta tanto como as instruções para montagem de móveis do Ikea (pedaços de matéria sujeitos à escravidão de uma ideia de modo a definirem em alfabeto de necessidades que forra cada uma das casas sem que isso nos proteja apesar do aparente conforto). Tudo são aparências, eis a ameaça. | João Paulo Cotrim
Data
De 13 de Março a 25 de Abril de 2010