Quando o livro é impresso a cores ou cinzentos, a balonagem — habitualmente a preto —, necessita de ser tratada separadamente. Os desenhos deverão ter uma resolução que pode ser por exemplo de 300dpi e o texto uma resolução mínima de 1200dpi (ver Produção gráfica #2), adivinha-se facilmente dois ficheiros separados. Esses ficheiros são depois compostos em conjunto num programa de paginação como o Adobe InDesign ou o Quark Xpress. De um modo mais desactualizado, poderiam ser compostos já ao nível do fotolito na gráfica (ou seja enviados separadamente, para o montador da gráfica fazer esse trabalho de forma tradicional).
Este processo deve começar no próprio autor, apesar de ser possível ao editor resolver o problema, com mais ou menos trabalho. Se for um autor 100% digital, pode ter os desenhos a 300dpi e efectuar a balonagem directamente num dos referidos programas de paginação, com uma fonte adequada (e não, não é a Comic Sans). Neste caso, os caracteres são vectoriais e como tal ficam independentes da resolução, sendo impressos com a qualidade (a boa qualidade, espera-se) determinada pela máquina de saída. Nunca balonar no Photoshop ou equivalente e mesmo nunca no ficheiro dos desenhos.
Se for um autor que desenha e balona em papel, uma especialidade e uma arte cada vez mais rara, deve balonar numa folha separada. Em ambos os casos, além de ficar o melhor trabalho possível em termos de obra impressa, também é o correcto para quem um dia seja editado noutro idioma. O editor estrangeiro apenas tem de acrescentar a sua “camada” de texto, estando tudo o resto preparado para a receber com o máximo de qualidade.
Claro que os livros de Daniel Clowes e Charles Burns das imagens, banda desenhada a cores lisas e contorno a preto bem definido, colocam os seus próprios problemas que tentarei explicar num próximo artigo. Comic Sans Criminal What’s so wrong with Comic Sans? (BBC)
A resolução a utilizar nas imagens a publicar com impressão em offset (Wikipedia) é um conceito muito simples, mas que infelizmente por algum motivo escapa a autores, editores, designers e gráficas.
O mais vulgar é ser medida em dpi (Dots Per Inch, ou pontos por polegada) e deve ser escolhida adequadamente de acordo com o tipo de imagem e papel utilizado.
Imagens a cores ou cinzentos
Tratando-se de imagens a cores ou cinzentos, é um valor directamente relacionado com o número de linhas a que vai ser impresso o trabalho, lpi (Lines Per Inch, ou linhas por polegada). A relação é muito fácil de decorar: 2x.
Consideremos a situação mais vulgar, um livro impresso a 150lpi — as imagens a cores ou cinzentos terão de ter uma resolução de 300dpi no tamanho final para uma qualidade óptima. Esta relação de 2x é por uma razão matemática fora do alcance deste artigo explicar. Pelo mesmo motivo matemático, se as imagens tiverem mais resolução apenas consomem mais recursos sem rigorosamente nenhum acréscimo de qualidade; se tiverem menos resolução, o trabalho não terá toda a qualidade que poderia; se tiverem muito menos resolução, as imagens aparecerão pixelizadas (aos quadrados) e mais vale estarem quietos.
Esse efeito de pixelização pode ser visto na primeira fotografia. Toda uma cadeia de produção falha quando o resultado é este, o autor devia ter enviado imagens com resolução suficiente (pode ter enviado, mas o livro ter sido paginado com imagens de baixa resolução), o designer devia ter verificado a resolução das imagens, o editor devia ter visto provas e detectado o desastre e por fim, se por algum motivo ninguém viu nada, algo como este resultado nunca poderia ter escapado à gráfica, logo na fase dos fotolitos (para não dizer antes), muito antes da impressão.
A relação entre LPI e DPI é muito fácil de decorar: 2x.
Como referência podem utilizar a seguinte tabela, tendo em conta que existem milhares de qualidades e variantes de papel. Uma boa gráfica pode e deve aconselhar o número de linhas a imprimir, mas muitas julgam que quanto mais linhas mais qualidade o que não é verdade. Por exemplo, imprimir a 150lpi em papel de jornal é uma receita para o desastre, pois esse papel é altamente poroso e os pontos demasiado juntos acabam por crescer e aglomerar-se (entupir, no jargão gráfico) e todo o detalhe da imagem é perdido.
Imagens a cores ou cinzentos
Papel
lpi
dpi
Jornal
90
180
Tipo fotocópia
133
266
Mate (bom)
150
300
Brilhante (bom)
175
350
A banda desenhada dificilmente beneficiará de uma impressão a mais de 175lpi (200lpi e mais, utilizada um livros de fotografia de alta qualidade e obras do género).
Imagens a preto
Não confundir com as imagens acima que têm uma gama de tons de cinzento. Aqui tratam-se de imagens em que apenas existe preto e branco, somente esses dois valores. Estas imagens têm de ser tratadas de uma forma completamente diferente. São digitalizadas em bitmap com o máximo de resolução óptica disponível até 2540dpi no tamanho final ((Esta regra não se aplica à maior parte da chamada impressão digital, que não passa de fotocópia mais elaborada que antigamente. Uma resolução habitual neste processo é 400dpi e sendo o máximo disponível, não há milagres.)). Mais resolução não vale a pena por dois motivos: Primeiro o olho humano já não distingue a diferença, segundo e não é por coincidência, trata-se da resolução máxima processada pelos RIP. É aceitável uma resolução até um mínimo de 1200dpi, menos do que isso e começam a ser visíveis “escadas” no traço e lá se vai a subtileza.
Claro que a balonagem de material a cores ou a cinzento apresenta o seu próprio conjunto de problemas, pois temos a necessidade de uma resolução para as imagens e de outra para o texto. Tentarei explicar isso num artigo futuro, entretanto se tiverem dúvidas, coloquem-nas nos comentários responderei o melhor que souber.
Há uns tempos quando foram deixar o Zona Negra na livraria, a primeira página em que o abro tem uma notória falta de resolução. Verifico o resto rapidamente e está igual, muito evidente em todas as páginas a preto e branco, mas também nas cinzentas e a cores, através do texto da balonagem.
Na inauguração da exposição Sinfonia Quadripolar troquei umas ideias sobre o assunto com o Pepdelrey, porque os livros da El Pep sofrem do mesmo problema. Coincidência ou não, impressos digitalmente no mesmo local em Espanha.
E também falei do assunto com o Dinis Conefrey, na inauguração da sua exposição, a propósito de um outro caso recente que considero surpreendente: o livro “Subway Life” de António Jorge Gonçalves, uma edição em capa dura, numerada e assinada, editado pela Assírio & Alvim da gigante Porto Editora. Neste caso impresso em offset, com os desenhos a linha com uns escandalosamente visíveis 300dpi (parece variar ao longo do livro) e toda a delicadeza do traço arruinada. Uma pena.
Uma coisa que eu fazia facilmente há dez e mais anos, com equipamento muito menos capaz, parece hoje muito difícil e o mais incrível é que ninguém parece notar, a começar pelos editores. Dos leitores também não há queixas, ao que atribuo a excesso de poluição e lixo visual de toda a ordem. Hoje olha-se e não se vê. Ainda se está a olhar para uma coisa, já se está a pensar na próxima.
E por esta altura a maior parte já está a perguntar de que é que eu estou a falar. É muito simples: se o traço preto de um desenho ou das letras do texto estiver às escadas ou mal definido, isso é uma indicação sem margem para dúvidas que está impresso com resolução insuficiente e em última análise, não foi assim que os autores o desenharam. É um sinal de baixa qualidade de reprodução e de baixos standards de edição, tudo facilmente evitável. Neste momento, podem ir olhar para os vossos exemplares do que já referi e muitos outros, que certamente vão ver as coisas como elas são.
Proximamente, vou tentar explicar como preparar banda desenhada para impressão através de uma série de textos sobre produção gráfica para pequenos editores.