Os acontecimento na Charlie Hebdo provocaram um debate entre autores
Onde alguns vêem liberdade de expressão, outros vêem radicalismo xenófobo. Mas uma coisa parece não ser passível de opinião, porque é um facto: Uma ofensa é uma ofensa, um atentado e ser assassinado é diferente. New York Times.
Ao falar de banda desenhada, é possível confundir “capa” e “prancha”?
Embora a resposta devesse ser um rotundo “não”, a realidade — portuguesa, recente — fornece uma resposta discrepante.
Explicações já a seguir…
Estou ligado à banda desenhada há muitos anos. Quase há meio século como leitor interessado, há cerca de três décadas de forma activa como divulgador, organizador e/ou comissário de exposições, editor…
Reconheço, sem dificuldade nem qualquer tipo de concessão, que, ao longo destes últimos 30 anos, a banda desenhada, fora do círculo dos eus habituais leitores/consumidores/divulgadores ganhou um novo estatuto: tem outro reconhecimento, outro mediatismo, outra relevância.
Se para muitos – mesmo para alguns daqueles que deveriam ter outra abertura mental – ainda continua a ser “os macaquinhos para os miúdos” e pouco mais, hoje em dia – muito por culpa da sua mediatização graças ao cinema? – é regularmente notícia – embora nem sempre por aqueles motivos que eu mais gostaria…
Um dos casos mais recentes, foi a venda de originais de banda desenhada organizado pela leiloeira britânica Christie’s, no início deste mês de Abril. Acontecimento que ganhou mais relevância por ser o primeiro organizado por uma das mais famosas casas de leilões da Europa.
Mesmo assim, o evento, a montante, passou praticamente despercebido em Portugal. Depois, o seu resultado – vendas brutas de quase quatro milhões de euros e vários recordes — levaram a que toda a comunicação social, das cadeias televisivas aos mais humildes pasquins, noticiassem que a “…capa original do álbum Tintim no Tibete desenhada por Hergé foi vendida hoje em leilão em Paris por 289.500 euros, um preço recorde para um desenho a lápis do criador belga…”
“E qual o problema?”, perguntarão muitos dos leitores deste texto, que também foram leitores/ouvintes da notícia. Um pormenor, da maior importância: o original vendido, não era a capa a lápis de Tintin no Tibete, mas sim o esboço da prancha 54 do mesmo álbum – como aliás facilmente se percebia pela imagem reproduzida até por muitos dos meios de comunicação social que fizeram a divulgação.
Perante isto, não sei o que é de lamentar mais: a forma alarve e seguidista – económica… — como se reproduzem comunicados de uma agência informativa sem qualquer cuidado de verificação da informação veiculada, se a ignorância/falta de profissionalismo desta última ao traduzir – do francês? do inglês? – para português o comunicado oficial da Christie’s. Na Agência Lusa que deturpou, desculpem, divulgou a notícia não houve ninguém que olhasse para o desenho? Em tantas rádios, televisões, jornais, ninguém soube distinguir uma capa de uma prancha?
E passa-se isto num tempo em que a banda desenhada até é ensinada (recorrentemente) nas escolas portuguesas – embora reduzida à sua forma mais básica e estéril (até para seu esvaziamento e para afastar dela potenciais leitores?), a um conjunto de (apenas) pranchas, tiras, vinhetas e balões… Parece que há que rever os programas escolares e incluir neles o conceito de “capa” e o que o distingue do de “prancha”… Poderá ser útil dentro de 20 ou 30 anos…
Numa ajustada comparação, esta notícia faz lembrar as “traduções” – leiam “adaptações livres”, por favor – que noutros tempos – os anos 30, 40, 50 do século passado, época de ouro do jornalismo infanto-juvenil em Portugal – se faziam das bandas desenhadas estrangeiras neste país, naquelas que ficaram – justamente – como revistas de referência – Papagaio, Mosquito, Mundo de Aventuras, Cavaleiro Andante… – para várias gerações.
Faltou, no presente caso, é verdade, o “aportuguesamento” dos nomes dos intervenientes: Tintin podia ter passado a Timóteo ou Tibúrcio, Hergé dava um bom Hermenegildo e se o Tibete tivesse sido transferido para a Serra da Estrela, imagino as capas de jornais e notícias de abertura dos telejornais que a venda da tal “capa” teria dado…
A finalizar, a título de curiosidade, para além do esboço da prancha 54 de Tintin no Tibete – não, não é de mais frisá-lo… — as principais vendas do primeiro leilão de originais de BD organizado pela Christie’s, em cooperação com a galeria parisiense Daniel Maghen, que até registou uma afluência recorde que ultrapassou largamente a lotação do hotel de luxo onde foi realizado, foram a capa original – e neste caso é mesmo a capa! – de Astérix: O Adivinho (193.500€) e uma prancha de Astérix na Córsega (145.500€), ambas da autoria de Uderzo, e a capa – sim, outra capa! – de Franquin para uma edição especial de Spirou et L’Heritage (157.000€).
Valores bem interessantes atingiram igualmente uma prancha de La Macumba du Gringo (55.000€), de Pratt, e uma ilustração de Gibrat (67.500€), naquela que foi a maior venda de originais de BD de sempre na Europa, onde se registaram recordes absolutos para obras de Delaby, Cosey, Lepage, Lacombe, Juillard, Manara, Miralles, Frank Pé, Rochette e Rosinski.
Como apontamento final – mas que, a exemplo do leilão em si, mostra bem o interesse crescente que os originais de banda desenhada despertam, enquanto investimento seguro (e bom negócio também para uma leiloeira com a fama da Christie’s – refira-se que uma vinheta – sim, uma vinheta! — de Blake e Mortimer: A Marca Amarela, de Edgar Pierre Jacobs, foi vendida por quase 10 mil euros, enquanto duas vinhetas – exacto, dois rectângulos medindo à volta de 7 cm x 10 cm… — da versão original em tiras, publicada no Le Soir, de Tintin e as Sete Bolas de Cristal, foram licitadas por 17 mil e 22 mil euros.
Por razões geográficas (?) apesar de o leilão ter tido participação mundial pela internet e pelo telefone, um original de Jack Kirby e uma história completa do Spirit, de Will Eisner, não encontraram comprador.
Destaque: Jacques de Loustal, “Lumières du Jour”. Ilustração original “Careless Love”, utilizada num cartaz das edições Art Moderne, 1987.